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Na APS do Rio de Janeiro, além dos Centros de Saúde Escola, inúmeras CF e CMS são cenários de ensino-aprendizagem para acadêmicos bolsistas, internatos médicos de universidades públicas e faculdades privadas e os programas de residência. A capital fluminense possui o maior Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade (PRMFC) do país, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que forma mais de 100 especialistas por ano. Além disso, instituições tradicionais como UFRJ e UERJ também possuem PRMFC contribuindo de forma expressiva para a especialidade. Necessário destacar também o Programa de Residência de Enfermagem em Saúde da Família importantíssimo na geração de especialistas.
Nesse contexto, vários profissionais entrevistados descreveram os desafios de equilibrar as atividades docente-assistenciais durante a pandemia de covid-19.
Em algumas unidades, as atividades desenvolvidas pelo internato incluíram, por exemplo, a criação de uma planilha de telemonitoramento dos pacientes sintomáticos e/ou que testaram positivo para o SARS-CoV-2 em que era organizada a listagem de casos e as informações obtidas após contato.
"Quando o COVID chegou as aulas foram suspensas e eles ficaram trabalhando online. E aí foi que a planilha se expandiu. De imediato, os residentes já tinham montado essa planilha e eles [internos] foram só organizando melhor, separando por equipe, fazendo telemonitoramento, tantas horas ligando. Então foi uma coisa bem mais organizada que também ajudou muito nesse processo, os meninos ligavam: “olha, como é que o senhor tá hoje?” “Ah, hoje eu tô com falta de ar, não tô me sentindo bem”. “Então volta para unidade para fazer uma reavaliação”. Ajudou muito nosso monitoramento também essa organização, esse telemonitoramento, porque ele já estava na realidade no protocolo da Prefeitura, mas ele não tinha uma organização" (ENF Maria Aparecida).
A residência médica, que já era intensiva em termos de aprendizado e prática antes da pandemia, tornou-se ainda mais desafiadora. A carga de trabalho aumentada, combinada com a incerteza sobre a doença e as longas horas de atendimento, resultou em uma sobrecarga emocional e física significativa para os residentes. Estes se formaram com uma experiência intensiva focada no covid-19, o que, por um lado, garantiu habilidades práticas, mas, por outro, deixou lacunas em áreas importantes da MFC como a abordagem comunitária.
"A residência, ela é um intensivo de conhecimento fora desse contexto da pandemia, nem uma coisa que eu reclamaria, assim, porque é algo que eu considero que é um divisor de águas da minha construção como profissional e, para isso, talvez essa densidade de conhecimento, ela seja necessária, mas juntando, a sobrecarga do trabalho na unidade de saúde que foi, junto com a angústia do desconhecido, junto com a carga horária, é algo que pesa muito na nossa… Na nossa vida mesmo, como pessoa, na nossa vida como profissional de saúde, foi bem puxado" (ENF Katia Brito).
"Eu acho que ainda para nós, eu sou preceptora de residência, a gente tem aí uma turma se formando agora [NOVEMBRO 2021], que são médicos de família e COVID, não são médicos de família e comunidade. Eles são pessoas que fizeram a formação inteira durante a pandemia. [...] pela nossa preocupação com a formação desses residentes, também gera sofrimento para a gente. E eu acho que eles ficam muito angustiados, e ansiosos por terem perdido algumas oportunidades por causa da pandemia. Eu acho que isso também são questões importantes no contexto do meio de trabalho, dentro da residência médica. [...] É o desafio da formação. Assim, eu consigo elencar algumas coisas, acho que assim: uma coisa que é muito difícil, é o processo de trabalho em si. Acho que o processo de trabalho fica muito comprometido. É isso. O Rio de Janeiro precisa da gente como mão de obra também. Precisam dos nossos residentes como mão de obra. Então, algumas coisas que são relacionadas ao ensino, ficam muito escanteadas e ficam desvalorizadas. E eu entendo que é uma necessidade em saúde, a necessidade do serviço. Mas eu acho que isso é um grande, um grande prejuízo e acaba sendo desafiador. A gente ficar preenchendo escala. [...] uma coisa que é superimportante que ficou de lado na pandemia, que é a comunidade, a gente teve muito mais dificuldades de fazer abordagem comunitária. Eu percebo que isso acabou sendo uma fragilidade dos nossos residentes, da formação agora. Porque realmente, assim, você não conseguir reunir pessoas, para ficar em grupo dentro de uma sala.." (MFC Julia Horita).
Desenvolver estratégias que equilibrassem a necessidade de serviço com a formação educacional dos residentes foi uma das inúmeras necessidades a serem supridas frente às adversidades impostas pela pandemia. As experiências foram diversas entre as unidades de saúde e entre os momentos epidemiológicos vividos, ora com interrupção total do calendário acadêmico, ora com parcial. Uma estratégia narrada foi a de que a partir do rodízio de profissionais nas unidades quem não estivesse presente, participasse das atividades educacionais de forma remota. Essa adaptação foi crucial para manter o ensino minimizando o risco de contaminação entre os residentes.
O avanço no uso de tecnologias, como celulares e plataformas de comunicação digital, permitiu a continuidade das atividades educacionais mesmo à distância. Isso incluiu a condução de aulas e debates online, ajudando a manter a educação dos residentes ativa mesmo durante o isolamento.
"A gente recebeu acadêmico e a gente fez uma organização também, um plano para os acadêmicos para a gente não deixar para trás essa vertente do ensino. Eu acho que em relação aos residentes, a gente montou uma experiência diferenciada. [...] A gente avançou muito também no uso da tecnologia e da questão de usar o celular. Então, às vezes, o residente tá numa atividade em casa, aí a gente consegue conectar e fazer uma aula e fazer um debate. Então, ele também foi uma questão lá no começo da pandemia. Tinha uma combinação para não ficar muitos profissionais da Unidade, de ter rodízio de profissionais e com os residentes isso também acontecia, então tinham dias que eles não estavam na Unidade. E aí, a gente mesmo mantinha algumas atividades docentes mesmo à distância, mesmo quando eles estavam em casa, então a gente sustentou atividades de ensino assim o tempo inteiro" (MFC Marcio).
"Unidade de residência, então a gente meio que precisou interromper todo o calendário assim, de canal teórico... acabar com tudo basicamente. "Vocês vão atender COVID, e vão ter três de vocês que vão ficar atendendo demanda não COVID que talvez surja." [...] Na outra Unidade que é vinculada à Estácio [universidade], é uma unidade escola, então quem fazia os atendimentos eram os internos, aí sempre ficava professores lá para supervisionar esses internos fazendo esses atendimentos. O internato foi suspenso. Não tinha mais internos. Era só uma escala de três médicos." (MFC Átila).
A pandemia de Covid-19 forçou uma rápida adaptação nas práticas de ensino e na formação dos profissionais de saúde. Enquanto algumas inovações, como o uso de ferramentas de telemonitoramento e tecnologias de ensino à distância, trouxeram benefícios significativos, os desafios na manutenção de um equilíbrio entre as necessidades de serviço e o ensino completo destacaram a necessidade de ajustes futuros. A experiência narrada pelos entrevistados destaca a importância de uma abordagem integrada que fortaleça tanto o ensino quanto a prática clínica, preparando os profissionais de saúde para responder eficazmente a futuras crises enquanto mantêm uma formação abrangente e de alta qualidade.